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Deus é mulher: Elza Soares transformou em beleza e luta sua trajetória de dor

Do alto de uma alegoria, em cima do palco, nos estúdios de gravação, nas ruas e avenidas, Elza Soares mostrou que Deus é negra, mulher e revolucionária

Gustavo Assumpção Publicado em 20/01/2022, às 18h31

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Deus é mulher: Elza Soares transformou em beleza e luta sua trajetória de dor - Getty Images
Deus é mulher: Elza Soares transformou em beleza e luta sua trajetória de dor - Getty Images

Refazer a trajetória de Elza Soares é pensar a própria história do Brasil. A menina magricela que encantou Ary Barroso com sua 'voz do planeta fome' é retrato e reflexo de um país que não olha aos seus, mas que diante da dor cotidiana encontra beleza e refaz o destino.

Nascida Elza Gomes da Conceição nos arredores de Padre Miguel, no Rio de Janeiro, se casou aos 12 anos e viveu um longo caminho marcado pela violência física, psicológica e sexual. Do romance com Garrincha, ídolo nacional, passando pelas oportunidades que agarrou com sua voz capaz de graves e improvisos inimagináveis, a menina sempre foi vidraça. Sofreu perseguições da imprensa, foi acossada por um racismo brutal, marcada pelo machismo velado. A menina que um dia carregava lata d'água na cabeça explodiu estatísticas e se pôs em pé.

Do primeiro hit, Se Acaso Você Chegasse até suas interpretações brilhantes para canções como O Meu GuriDura Na QuedaHoje é Dia de Festa, se tornou a "voz do milênio", título concedido pela BBC que reconheceu a voz da menina favelada como a mais fundamental. Mas ela queria mais.

Em 2015, aos 84 anos, lançou A Mulher do Fim do Mundo, trabalho que a consagrou em definitivo e tardiamente, mas que a fez receber o reconhecimento que tanto merecia. Com produção de Guilherme Kastrup, o álbum misturou gêneros como o samba, o rock, o rap e a música eletrônica em um verniz moderno, atual. Ela, mais uma vez, era capaz de se reinventar, reencontrar sua história e nos expor aquilo que precisávamos enfrentar não apenas como indivíduos, mas também como nação.   

Neste 20 de janeiro o Brasil não perdeu apenas uma cantora, a 'voz do milênio' ou 'a mulher do fim do mundo'. A morte de Elza Soares é a partida de um fragmento raro de Brasil, um cristal lapidado pela dor, fruto de uma gente que se ergue e se orgulha, que faz arte, canta e celebra, não porque a vida é fácil, mas porque ela é difícil.

Ficará eternizada a imagem de Elza Soares, sentada em seu trono, no desfile da Mocidade Independente de Padre Miguel que a homenageou em 2020. A sua casa, a sua gente, a sua cidade, o seu país aplaudiram por longos minutos sua passagem pela Sapucaí, avenida da ilusão e do sonho. Como um griô, ela nos mostrou pela última vez o caminho, nos indicou por mais uma oportunidade a direção.  Diante das encruzilhadas, em luta contra os retornos e pelos avanços, do alto de uma alegoria, em cima do palco, nos estúdios de gravação, nas ruas e avenidas, Elza Soares mostrou que Deus é negra e mulher.

Lá vai menina
Lata d’água na cabeça
Vencer a dor, que esse mundo é todo seu

PARTIDA

"É com muita tristeza e pesar que informamos o falecimento da cantora e compositora Elza Soares, aos 91 anos, às 15 horas e 45 minutos em sua casa, no Rio de Janeiro, por causas naturais", afirmou a assessoria.

 Em outro trecho, a equipe da cantora relembra a trajetória de sucesso, consagrada nos últimos anos com o álbum A Mulher do Fim do Mundo

"Ícone da música brasileira, considerada uma das maiores artistas do mundo, a cantora eleita como a Voz do Milênio teve uma vida apoteótica, intensa, que emocionou o mundo com sua voz, sua força e sua determinação. A amada e eterna Elza descansou, mas estará para sempre na história da música e em nossos corações e dos milhares fãs por todo mundo. Feita a vontade de Elza Soares, ela cantou até o fim".

Nascida Elza Gomes da Conceição, ela estourou na virada para os anos 60 com o sucesso "Se Acaso Você Chegasse". Em mais de 50 anos de carreira gravou 34 discos lançados até 2019, transitou entre vários gêneros e se tornou um ícone do movimento negro.