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Exclusivas / DIFERENTONA

'Boca a Boca' é terror afetuoso em cores neon e a melhor original Netflix do Brasil

Série de Esmir Filho e Juliana Rojas se destaca em todos os sentidos; confira a crítica

Leandro Fernandes Publicado em 20/07/2020, às 16h29 - Atualizado às 17h04

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Destaque da Netflix, 'Boca a Boca' é terror afetuoso em cores neon - Divulgação
Destaque da Netflix, 'Boca a Boca' é terror afetuoso em cores neon - Divulgação

A nova série brasileira da Netflix está meio escondida, mas vale a busca: Boca a Boca é o melhor lançamento da plataforma. E, é claro, é bom não confundir com o programa da ex-BBB Bianca Andrade.

Lançada meio à sombra da multimilionária Cursed, a produção brasileira não teve grande divulgação por parte da Netflix, mas chamou atenção daqueles que já acompanhavam o trabalho dos criadores, Esmir Filho e Juliana Rojas. Ele com um dois longas que tratam de sexualidade e da vida dos jovens, ela com três longas de terror. A soma das duas perspectivas rendeu algo único.

Boca a Boca é, na superfície, um suspense que gira ao redor de uma infecção misteriosa que ataca adolescentes, passada através de beijos. Em uma camada mais profunda, a série fala sobre as barreiras ao afeto e as relações desiguais - sejam elas entre brancos e negros, patrões e empregados e entre pais e filhos. A trama de terror físico tem contornos neon, cheia de cenas em luz negra, contrastando com a paisagem rural da cidade fictícia de Progresso. A fotografia, aliás, é parte importantíssima da obra: não são raras as tomadas que poderiam inspirar pinturas, com enquadramentos que dizem muito sem precisar de uma única linha de diálogo.

O roteiro é excelente, mas não seria nada sem uma boa direção, que afasta os atores dos maneirismos costumeiros das novelas. O próprio elenco, aliás, preenche as cenas completamente: Michel Joelsas brilha como o claro protagonista, um rapaz bissexual sem nenhum filtro, enquanto Caio Horowicz que apresenta o jovem Alex como uma alternativa de sutilidade e silêncio aos rompantes extrovertidos do amigo. Completando o trio, Iza Moreira é uma represa de sentimentos que acabam transbordando em algumas das cenas mais visualmente marcantes da série.

Denise Fraga é um espetáculo à parte: com uma personagem que em outras mãos talvez fosse caricata, ela navega entre o ameaçador e o caloroso, passando pelo desespero. Entre os adultos, no entanto, Grace Passô é quem rouba cada cena em que aparece - mais uma vez um casamento perfeito de uma personagem bem escrita, diretores empáticos e uma atriz que nos faz acreditar em cada palavra e expressão.

O impressionante é que Boca a Boca casa um mundo adolescente muito autoconsciente dos absurdos e ridículos da adolescência com uma história profundamente humana. Enquanto Coisa Mais Linda empresta visual de cinema a uma produção novelística em todos outros campos e 3% coloca atuações de novela em uma trama de série americana, Boca a Boca é como se Malhação: Viva a Diferença tivesse um filho mutante com The OA, Dark e As Boas Maneiras, um filme excelente dirigido por Juliana em parceria com Marco Dutra. É única e se destaca em meio a tantos enlatados da plataforma.

Gravada e produzida bem antes da pandemia do coronavírus, a premissa de um vírus que impede o contato íntimo parece mais relevante que nunca. Um dos episódios apresenta até uma "camisinha do beijo". Negacionismo, LGBTfobia, fanatismo religioso e corrupção empresarial são todas questões que estão rondando os noticiários.

Dito isso, a série pode não ser para todos. Embora fale do universo adolescente, tem classificação para maiores, com cenas de sexo - incluindo relações entre menores de idade com maiores -, uso de drogas e violência. Nada disso é gratuito e o sexo e o afeto são fios condutores da história, mas para muita gente (vide os comentários nas redes sociais), a história pode ser "sem sentido", navegando na ficção científica. Passado esse véu, mesmo quem torce o nariz para o "irreal", deve se encantar imediatamente.

Cabe à Netflix valorizar um de seus produtos mais interessantes - embora o histórico não seja promissor, já que a plataforma parece empenhada em eliminar todas as produções fora da caixinha em prol de atrocidades como 13 Reasons Why.