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'Coisa Mais Linda' usa um Brasil utópico para explorar o que é ser mulher

Nova série brasileira da Netflix tem visual de cinema e trama de novela

Leandro Fernandes Publicado em 22/03/2019, às 13h38 - Atualizado em 07/08/2019, às 17h46

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Pathy Dejesus, Maria Casadevall, Mel Lisboa e Fernanda Vasconcellos em 'Coisa Mais Linda' - Reprodução/Instagram
Pathy Dejesus, Maria Casadevall, Mel Lisboa e Fernanda Vasconcellos em 'Coisa Mais Linda' - Reprodução/Instagram

Bonita até demais, Coisa Mais Linda se baseia em clichês e estereótipos como base para depois navegar mais longe.

Meu maior medo antes de começar a assistir Coisa Mais Linda, a nova série brasileira original Netflix, era que fosse uma série com linguagem de novela. Como o audiovisual brasileiro é muito ligado aos folhetins, muitas vezes outras obras são influenciadas por isso, com tomadas características. É verdade que nos últimos anos as novelas se apropriaram bastante da linguagem das séries de TV, talvez pelo enorme sucesso alcançado pelos seriados americanos. Eu fiquei feliz por ver que Coisa Mais Linda não tem linguagem de novela - ainda que a trama se assemelhe a uma.

A história é simples e não tem nada especificamente novo à primeira vista: nos anos 50, Maria Luiza (Maria Casadevall, que está bem, mas tem picos de bons momentos alternados com outros menos brilhantes) é uma mulher rica e mimada, moradora de São Paulo, cujo marido está no Rio preparando o restaurante que eles querem abrir juntos. Ao chegar à cidade, no entanto, ela descobre que o homem sumiu com uma outra mulher. A série não perde tempo mostrando o status quo da vida de Maria Luiza, jogando a protagonista e nós, enquanto assistimos, diretamente no conflito central, que inicialmente parece ser o sumiço do marido, mas revela ser a busca pela independência. No processo de abrir o restaurante por conta própria, Maria Luiza (rebatizada como Malu no fim do episódio) conta com as outras três protagonistas da trama: Lígia (Fernanda Vasconcellos, excelente no papel), sua amiga de infância; Thereza (Mel Lisboa, ótima como sempre), a cunhada de Lígia e Adélia (Pathy Dejesus, a mais sutil e natural das quatro), empregada doméstica de um apartamento vizinho.

As quatro personagens são apresentadas como clichês: Malu é a rica mimada que é obrigada a confrontar o mundo real; Lígia é a moça doidinha na juventude que teve os sonhos abafados pelo próprio marido e precisa reencontrar a própria identidade; Thereza é a mulher forte, independente e bissexual que todas invejam, mas cuja vida não é perfeita e Adélia é uma mulher negra, trabalhadora, com instintos maternais e um gosto duvidoso para homens. Eu disse apresentadas porque durante o episódio há uma indicação muito direta (talvez desnecessária) de que as personagens têm dramas escondidos.

Esses momentos muito diretos, aliás, são o grande problema de Coisa Mais Linda. Num geral, o roteiro é bom e os diálogos são naturais (alguns atores falam de maneira um pouco silábica demais, pronunciando cada letra, mas isso ocorre apenas nos personagens mais abastados, o que pode ser um artifício para delinear as classes sociais). Mas em alguns momentos, há um exagero de explicação ou de expressão de sentimentos, que soa completamente descolado da realidade, como um desabafo de Malu para Thereza (que acabara de conhecer) ou dois homens conversando somente para expor um ponto da trama. Os tais momentos são espalhados ao longo do primeiro episódio e causam uma estranheza considerável.

Visualmente, a série se utiliza da época em que se passa e abraça tanto a ideia de um país que está caminhando rumo ao progresso quanto o nascimento da bossa nova, tema central da trama, que se reflete nas cores, paisagens e figurino. Tudo é lindo - talvez até demais. Embora haja um aviso (até um pouco fora de lugar) de um personagem de que "o morro à noite não é para iniciantes", a favela é mostrada como um lugar lindo, de festas, que embora não carregue o estigma de "ninho do crime" que foi atribuído às favelas, é um tratamento no sentido de tornar exótico, atraente, quase como um chamariz para turistas, o que reforça a impressão de que Coisa Mais Linda foi feita para ser vendida e vender o Brasil ao exterior.

O Rio de Janeiro é um personagem por si só - e olha que a série evita tomadas aéreas, por motivos óbvios. A cidade toma características bem específicas: é o lugar onde os sonhos se realizam, onde a protagonista pode ficar de frente pro mar, onde ela pode ser livre. A fotografia da série faz um bom trabalho de traduzir isso visualmente.

Enfim, Coisa Mais Linda não revoluciona por ter mulheres na linha de frente: em 2017 tivemos uma temporada de Malhação com cinco mulheres como protagonistas, cada uma com seus dramas, com classes sociais diferentes. É a condição de mulher como peça central da trama que torna a série única: por trás do visual incrível e as músicas suaves no violão, a obra de Heather Roth e Giuliano Cedroni aborda o que significa ser mulher num mundo que preferiria que essas quatro protagonistas se limitassem aos postos de "esposa de fulano e mãe de cicrano".