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Ana Flávia Cavalcanti discute o ambiente dos empregados domésticos

A Dóris, diretora de um colégio em Malhação - Viva a Diferença, criou uma performance chamada A Babá quer passear para discutir com as pessoas o assunto

Por Tainá Goulart Publicado em 14/09/2017, às 16h00 - Atualizado em 07/08/2019, às 17h45

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Ana Flávia Cavalcanti é Doris na nova temporada de Malhação - Fotos: Divulgação
Ana Flávia Cavalcanti é Doris na nova temporada de Malhação - Fotos: Divulgação
Ana Flávia Cavalcanti, a Dóris de Malhação - Viva a Diferença, se veste de babá, entra em um carrinho de bebê e espera alguém chegar. "Eu fiz essa performance na praia de Ipanema, no Leblon, em Madureira, na Oscar e em Bragança Paulista. Em cada lugar a recepção é diferente. Quanto mais o bairro for de classe média alta com pessoas que consomem esse tipo de empregado maior é a tensão. Porque a Performance é muito objetiva nesse sentido de fazer as pessoas pararem suas vidas e pensarem nem que seja por uns míseros minutos sobre seus empregados e suas condições de vida", diz a atriz, que criou a performance a partir de um sonho. Ana Flávia é uma mulher de discurso forte e que interpreta uma diretora de escola pública, então, para ela, o diálogo e a educação são muito preciosos. "A educação é importante em todas as gerações, a educação na verdade é a coisa mais importante na construção de uma sociedade mais horizontal, plural, dinâmica." Confira o papo cabeça que batemos com a atriz!


CONTIGO - Como surgiu o convite para fazer a Dóris?

O produtor de elenco Guilherme Gobbi me chamou pra um teste nos primeiros dias deste ano. Fiz o teste em São Paulo com o nosso diretor artístico Paulo Silvestrini. Foi um ótimo encontro! Eu saí de lá com a certeza de ter feito um bom teste. Esse é um primeiro passo.


CONTIGO - E o que usou para se preparar para esse papel? Como foi o processo?

Eu visitei algumas escolas na região da Vila Mariana onde o Cora Coralina está localizado. E eu também sempre estudei em escolas públicas desde a creche até o ensino médio. Levantei minhas memórias dessa época e de alguns diretores que tive.

Continuo pesquisando. Atualmente dou aulas de teatro na escola pública Don Infante Enrique em Copacabana. E vivencio muito da rotina da Doris nesse espaço.


Ela é Dóris, a diretora de Malhação

CONTIGO - O que tem mais chamado sua atenção nessa nova geração de atores com quem tem trabalhado?

Eles são muito comprometidos, estudiosos, bem preparados pra idade, eu brinco que nosso trabalho não é magia é tecnologia, sabe? É uma brincadeira, óbvio que tem magia, e muita, mas pra um sentimento acontecer precisamos nos preparar pra isso.  As emoções não brotam do nada, você precisa estar tranquilo, calmo, no jogo, no olho no olho. Por isso decorar o texto é tão importante. Decorar, entender, como quiserem dizer, mas é preciso entrar em cena seguro dessas partes tão importantes no nosso trabalho: texto, figurino, cenário. Essa tranquilidade trás muita força pras cenas e essa juventude da malhação é craque nesses quesitos. São todos todos muito profissionais.



CONTIGO - Qual é a importância da educação para essa geração?

A educação é importante em todas as gerações, a educação na verdade é a coisa mais importante na construção de uma sociedade mais horizontal, plural, dinâmica. Dos muitos cuidados básicos garantidos ou que deveriam ser garantidos pelo governo, a saúde fica em primeiro lugar no grau de importância, obviamente. O cidadão precisa estar bem de saúde pra desfrutar e experimentar seus direitos e deveres na sociedade em que vive, infelizmente ainda temos uma saúde pública bem precária no Brasil. E pra mim, em seguida, vem a educação.

As sociedades que eu mais admiro do ponto de vista do bem-estar sócio político, são sociedades que valorizam muito a educação. Em todas as suas bases. A educação abre a nossa cabeça e aí o mundo inteiro se torna possível, sonhar, exigir respeito, direitos, conviver com as diferenças são coisas que aprendemos na escola, na faculdade, no mestrado, no doutorado. O ambiente escolar produz pessoas melhores. Sem educação não teremos os verdadeiros avanços que tanto precisamos no nosso país.


Ela sonhou com um carrinho e resolveu criar a performance  A Babá quer passear



CONTIGO - Me explica um pouco do seu projeto A Babá quer passear? Como ele surgiu?

Eu sonhei com um carrinho de bebê gigante, cor de rosa, e fiquei muito intrigada com esse sonho. Juntei a isso o fato de nunca ter aceitado que as babás usassem uma roupa diferente dos outros em volta, um uniforme que categoriza uma pessoa, que em geral é uma mulher negra. Acho que foi um mix dessa minha indignação com esse sonho.


Eu juntei as coisas e fiz pesquisas na internet, busquei referências de carrinhos, pesquisei a história da invenção da figura da babá na sociedade moderna, e descobri que durante a escravidão as babás eram chamadas de ama seca - a ama que não tem leite - a criança branca tinha a ama de leite que a amamentava nos primeiros meses de vida e depois do desmame ela era cuidado pela ama seca, atualmente conhecida como babá. Encontrei um cenotécnico que construiu o carrinho do zero, um carrinho de bebê cor de rosa chiclete.A performance se dá quando eu me visto de babá, entro no carrinho que é estacionado em algum ponto da cidade e espero que alguém leve a babá pra passear. Eu fiz essa Performance na Rua Oscar Freire no último dia 25 de julho dia da mulher negra latina e Caribenha.



CONTIGO - Como foi a recepção por parte do público?

Eu fiz essa performance na praia de Ipanema, no Leblon, em Madureira, na Oscar e em Bragança Paulista. Em cada lugar a recepção é diferente. Veja, esse trabalho é uma crítica muito contundente sobre as condições dos empregados domésticos no Brasil, que em geral são pessoas negras servindo pessoas brancas. Herança maldita de um período de mais de 300 anos de escravidão.

Então, quanto mais o bairro for de classe média alta com pessoas que consomem esse tipo de empregado maior é a tensão. Porque a Performance é muito objetiva nesse sentido de fazer as pessoas pararem suas vidas e pensarem nem que seja por uns míseros minutos sobre seus empregados e suas condições de vida. Quero discutir bem estar, auto estima, poder de escolha. Quero uma sociedade mais igualitária, mais justa. Mesmo. Quero muito isso e vou usar meu trabalho pra evidenciar esse desejo.


"A Babá Quer Passear - dia 25 de julho na Oscar Freire"

CONTIGO - O que é ser invisível para você, na sociedade em que vivemos?

Ser invisível pra mim é ser negligenciado em seus direitos básicos, é ser considerado inferior. É sempre estar lá e nunca pensarem sobre você. Eu lanço algumas perguntas pra pessoa que resolve levar a babá pra passear. Perguntas do tipo:Sua babá está bem?; Ela tem algum sonho? ;Você já foi na casa dela?; Já deu carona?; Ela conhece as cataratas do Iguaçu? ;Você conhece a sua babá?; O signo dela?

Entende? São perguntas que levam a pessoa a pensar na babá que trabalha em casa ou na empregada doméstica, no porteiro, e nesse momento eles deixam de ser invisíveis. Mas eu sei muito bem que isso é uma agulhinha num palheiro. O buraco é mais embaixo. Nunca discutimos com a década atenção o papel do empregado doméstico no Brasil. Nunca.


CONTIGO - Como poderíamos solucionar esse problema? Que tipo de ações você sugeriria?

Nesse tema específico dos empregados domésticos eu acho que um bom começo seria melhorar a remuneração dessa categoria. Recentemente, os empregados domésticos começaram a receber os direitos trabalhistas que todas as outras profissões sempre tiveram acesso e isso causou um rebuliço nos patrões.

Um serviço que antes era quase de graça, de repente começou a custar. Mas isso é um absurdo porque proporcionalmente os gastos de algumas famílias com supérfluos vai muito além dos custos de ter um empregado doméstico dentro da lei. E agora corremos o risco de perder alguns desses direitos, meu posicionamento vai totalmente contra as propostas desse governo ilegítimo em relação às reformas sugeridas: previdência e trabalhista. Eles querem baratear a mão de obra do operariado. Retirar nossos direitos.

E mais, essa coisa que tem no Brasil de uma família ter uma empregada mensal que vem TODOS os dias limpar uma casa, limpar, limpar, limpar, é bizarro.


Na Europa que todo mundo ama tanto não se pratica esse tipo de trabalho, ainda mais por um valor tão baixo. Eu vivi um tempo em Paris e por lá um empregado doméstico é muito bem remunerado e trabalha entre 2 a 3 horas por casa. E nada mais. Precisamos construir uma autonomia de organização nas nossas casas, cuidar das próprias coisas é muito saudável. Normatizou-se que o negro e a negra servem pra limpar, cuidar, lavar, estacionar, proteger, recolher o lixo, mas isso não é normal, não é natural, isso é um abuso, um excesso, um resquício desse período horrível que foi a escravidão.