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Laços de Família: Caricatas, empregadas domésticas da trama são estereotipadas e invisíveis

Vinte anos depois, novela mostra como marginalização das empregadas domésticas gera um bem-vindo incômodo

Gustavo Assumpção Publicado em 08/09/2020, às 14h57 - Atualizado às 15h23

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Laços de Família: Invisíveis e estereotipadas, empregadas domésticas da trama geram incômodo - TV Globo
Laços de Família: Invisíveis e estereotipadas, empregadas domésticas da trama geram incômodo - TV Globo

Rever Laços de Família, que retornou ao ar nesta segunda-feira (7) no Vale a Pena Ver de Novo, é também perceber como o retrato de um dos personagens mais marginalizados nas telenovelas mudou ao longo da história das produções para a TV.

Nos últimos vinte anos, parte da sociedade brasileira passou a contestar de maneira frontal a invisibilidade das empregas domésticas, que até então se mantinham escondidos nas cozinhas e porões: a aprovação da PEC das Domésticas, em 2013, reconheceu direitos e a necessidade de condições dignas de trabalho para uma das classes mais segregadas na pirâmide social brasileira.

No mundo branco, rico e elitista da Zona Sul carioca, estes personagens eram, até então, invisíveis. Uma ausência de humanidade e uma carga brutal de preconceitos que aparecem na trama de Manoel Carlos com clareza.

Embora seja cruel usar o olhar treinado dos dias atuais para ver como são retratados personagens como Zilda (a excelente Thalma de Freitas) e Rita (Juliana Paes), é inevitável sentir um constrangimento ao perceber que ambas são construídas com marcadores muito evidentes.

Divertida, desbocada, atrapalhada e vítima de gongadas da patroa, Zilda é uma personagem que reflete o contrato social controverso que constrói uma relação que é de servidão, mas também de afeto.  Embora seja próxima da patroa Helena e atue como uma ouvinte atenta aos seus "dramas classe média", a personagem não possui vida própria: é inexistente enquanto ser com destino, gostos e personalidade.

O retrato aqui é muito diferente de investigações recentes presentes na produção audiovisual brasileira - como o longa Que Horas Ela Volta? e as novelas Cheias de Charme Amor de Mãe, símbolos de uma tentativa de dar voz e história para estes personagens. Nas tramas mais recentes, as personagens são sim trabalhadoras, mas também tem sonhos, motivações, expectativas e um projeto de vida. São seres conscientes, que marcam sua existência sempre que possível, mesmo diante da desigualdade terrível que insiste em esmagá-las.

Ainda na novela de Maneco, Rita, a empregada que gera o interesse do patrão bon vivant, é retratada com todas as tintas que evidenciam a exploração que muitas trabalhadoras são vítimas. Sem corpos, que servem ao trabalho, também são vistos como disponíveis para aqueles que as contratam. A morte final, no parto - uma redenção pela traição do contrato de trabalho - soa como um equívoco que flerta com o moralismo e o machismo. As bases das disputas desiguais de poder entre patrões e empregado aparecem todas ali.

Ver Laços de Família é também entender que hoje, vinte anos depois, há um incômodo ao ver a invisibilidade dessas personagens. Que esse desconforto continue.