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Ao completar 70 anos, novelas vivem transformação e precisam buscar diversidade, diz pesquisador

Para Lucas Martins Néia, chegada das plataformas de streaming pode marcar uma mudança de rota nas produções do gênero

Gustavo Assumpção Publicado em 21/12/2021, às 10h45

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Ao completar 70 anos, novelas vivem transformação e precisam buscar diversidade, diz pesquisador - TV Globo
Ao completar 70 anos, novelas vivem transformação e precisam buscar diversidade, diz pesquisador - TV Globo

Quando em 21 de dezembro de 1951 os poucos televisores, ainda em preto e branco, espalhados por São Paulo captaram as primeiras cenas de Sua Vida me Pertence, começava a maior história de amor já contada na televisão brasileira: a do público com um gênero ficcional seriado adaptado da linguagem folhetinesca. Seu nome: telenovela.

A partir da exibição da primeira trama, há exatos 70 anos, se iniciou um processo longo que culminou na sedimentação das novelas como nosso gênero favorito e definidor por excelência, formato responsável por nos fazer conhecer mais sobre nós mesmos, retratar nossas mazelas e criar muitos dos nossos ídolos.

O processo de consolidação da telenovela como esse formato irresistível do qual bebemos há sete décadas foi fruto também dos avanços tecnológicos que serão possíveis a partir dos anos 60. Das produções tímidas dos primeiros anos exibidas para públicos menores e localizados nas grandes cidades, as novelas se tornariam produtos verdadeiramente de massa, exibidos pelos quatro cantos do Brasil.

Em conversa com a CONTIGO!, o pesquisador (e noveleiro) Lucas Martins Néia, doutor em Comunicação pela Universidade de São Paulo e especialista na história da televisão no Brasil, conta que a década de 60 foi decisiva para a construção do que hoje pensamos como uma telenovela.

“Dois momentos importantes ocorreram ali nos anos 60”, diz ele que explica em detalhes. “O primeiro é a implementação da telenovela diária com o advento do videoteipe porque as produções passam a entrar diariamente nas casas do público. Se antes cada emissora fazia sua produção para as praças, agora você grava em São Paulo e pode transmitir no Rio de Janeiro, nas outras cidades. Isso vai culminar no sistema de cabeça de rede e afiliadas que a gente tem até hoje”, detalha. Outro momento importante de transformação ocorre quando as tramas começam a beber do modo de vida de seu próprio público.

“É quando a telenovela se aproxima do cotidiano do país, que todas as periodizações vão marcar Beto Rockfeller (1969) como símbolo esse momento. Não significa que tudo começou ali, algumas tramas começaram isso antes, mas com Beto Rockfeller você tem a tempestade perfeita porque o Brasil está intimamente ligado às tramas, existe essa experimentação, de trazer esse país, indo ao encontro com os anseios do público e da crítica”, diz ele que ainda acentua a importância do momento histórico. “Ela [Beto Rockfeller] é exibida no ano do AI-5, quando a atividade teatral passa a ficar muito difícil, a atividade cultural de modo geral. E aí você tem esses profissionais migrando para a televisão e do encontro com os profissionais do rádio que já faziam as telenovelas vai gerar essa receitinha das novelas dos anos 70 e 80, quando o gênero se consolida”.

TELENOVELAS: UM ESPELHO DO BRASIL

Para o pesquisador, nas décadas seguintes esse processo se intensifica permitindo às novelas dialogaram de uma forma mais íntima com a realidade brasileira, criando tipos, tramas e personagens que retratam as contradições, as desigualdades e os anseios dos brasileiros.

“A telenovela ganha viço, alcança esse sucesso quando conhece entender e compreender o que acontecia no Brasil. A gente pode pegar títulos como Selva de Pedra (1972), Pecado Capital (1975), Roque Santeiro (1985), Vale Tudo (1988), Avenida Brasil (2012), exemplos desse diálogo”.

Só que essa discussão com a realidade nem sempre acontece de forma direta. As tramas de época, por exemplo, também podem fazer esse paralelo de uma forma interpretativa. “Quando a gente tem o sucesso de Os Dez Mandamentos (2012), a gente tem ali uma interpretação indireta da temperatura do Brasil naquele momento, tanto é que depois a gente vê toda essa onda conservadora tomando uma forma mais visível. Ela foi ao encontro do público”, explica.

TRANSFORMAÇÕES A CAMINHO

Após a paralisação total das produções televisivas, o gênero se prepara para um momento de transformação: a chegada das plataformas de streaming. Principal player do mercado no Brasil, a Globo já está investindo pesado na criação de produções voltadas para o Globoplay. Nos próximos meses, Netflix e HBO Max também devem começar a produção de telenovelas, algo que deve transformar o gênero.

Para Néia, o sucesso de Verdades Secretas 2, exibida totalmente no Globoplay, indica alguns caminhos possíveis. “Nessas produções, a gente deve ter tramas menos preocupadas com a verossimilhança e mais com o choque e, grosso modo, gente jovem se pegando [risos]. Porque é uma fórmula que dá certo com o público jovem, dialogando já com o exemplo de algumas séries [produzidas] ao redor do mundo. Se a ideia é atender o público dessas plataformas, este é um caminho viável”.

Exibidas atualmente, Um Lugar ao Sol, Quando Mais Vida Melhor! e Nos Tempos do Imperador romperam com uma característica fundamental das telenovelas brasileiras: elas foram gravadas totalmente antes de irem ao ar e escapam das correções de rota muito comuns na produção do gênero. Por culpa de uma conjuntura inédita, as novelas em exibição neste momento funcionam como uma experimentação, algo que, na opinião do pesquisador, não vai se tornar padrão.  

“Eu ainda acho que isso [a obra aberta] é muito importante para a novela como a gente conhece porque permite essa comunicação com o público, essa "medição de temperatura". Particularmente, eu fico feliz que Um Lugar ao Sol seja fechada porque ali não vai ter nenhuma mudança muito brusca na busca pela audiência [a novela tem conquistado resultados ruins, apesar do sucesso de crítica] porque nos últimos anos foi isso que a gente viu”, declara ele que cita os exemplos de Babilônia (2015) e A Lei do Amor (2017) que foram totalmente descaracterizadas na busca por atrair mais público. “Ela [Um Lugar ao Sol] vai para o caminho que a autora pensou até o fim, mas sinto que ainda é necessária essa comunicação direta com o público”, avalia.

NO FUTURO, A BUSCA PELA DIVERSIDADE

Para Néia, as novelas vão seguir como produtos de grande relevância no espectro das produções para a televisão. A chegada de outros players deve significar uma oxigenação para o mercado e uma oportunidade para que as temáticas se ampliem.

“De fato a Globo tem uma vantagem nessa guerra porque ela entende o público brasileiro e consegue trabalhar essa equação mais paritária entre formatos, telenovela e série, e entre o que o público quer ver e as novas representações que as séries demandam, porque são produtos mais curtos que são construídas para nichos”, avalia ele que pede que Netflix e HBO Max sigam o caminho da diversidade.

“Penso que a telenovela ainda precisa olhar esses múltiplos Brasis […] Eu acredito que ela permanece na centralidade do audiovisual brasileiro por muito tempo, mas acho que os produtos que serão mais bem sucedidos vão ser aqueles que de alguma forma vão interpretar mais o Brasil, atendendo demandas que há muito já vem sendo clamadas, principalmente com relação à representatividade. Acho que os streamings são o ambiente ideal para as telenovelas darem respostas mais contundentes para esta demanda do que a gente viu na TV aberta até agora”.