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Gloria Perez: "Se presto atenção na patrulha, não escrevo nada"

A autora festeja sucesso de A Força do Querer, o maior Ibope em cinco anos na Globo, arruma as malas para descansar em Portugal, mas já planeja a volta – porque aposentadoria nem passa por sua cabeça!

Por Ligia Andrade Publicado em 20/10/2017, às 10h30 - Atualizado em 07/08/2019, às 17h45

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Glória Perez - João Cotta/TV Globo
Glória Perez - João Cotta/TV Globo

Após 173 capítulos, a Força do Querer (Globo) terminou sexta-feira (20) com gostinho de quero mais. O público embarcou na trama de Gloria Perez, 69 anos, e a novela teve a maior média no Ibope desde Avenida Brasil (2012), chegando a ter picos de 48 de audiência no Rio. Um feito e tanto, como há tempos não se via na televisão. Nas redes sociais, nas casas e nas ruas, opiniões apaixonadas dividiam o público, sempre sob o olhar atento da autora. O que fica agora é a sensação de dever cumprido. E, mesmo a par da patrulha ideológica, Gloria não deixou de dar - mais uma vez - o seu recado. “É insuportável, ignoro solenemente. Foi uma novela em que tudo fluiu, a equipe teve uma conexão imediata. É bonito quando conseguimos transformar esforço em algo leve. Todos estão felizes”, avalia ela, que agora vai viajar e colocar os exames médicos em dia. Aposentadoria? “Deus me livre!”

Gloria Perez escreve 30 páginas por dia, sozinha e em pé, por conta de sua coluna


Tudo saiu como quis? 
Tudo. Dessa vez, assumi três protagonistas com o mesmo peso. Já usei esse truque, mas trabalhava com duas histórias centrais e só assumia uma. 

Há muito tempo uma novela não fazia tanto sucesso na Globo...
Isso me deixa muito feliz, porque já anunciaram a morte do gênero há um tempão. Novela é uma coisa nossa e cada vez mais países estão fazendo. As pessoas estão ligando a coisas arrastadas e velhas. Mas as séries só estão fazendo sucesso porque pegaram a receita dos folhetins. A forma de assistir é que mudou. Novela tem o ritmo da época dela.

O que mais te chamou atenção no feedback do público?
Não foi atenção, mas me senti recompensada por terem conseguido acolher e compreender a trans (Ivana/Ivan, vivida por Carol Duarte, 26). Era o momento mais difícil, onde corríamos o risco de ter rejeição. Ainda mais nesse momento tão conservador do país. Não tinha plano B, nem pensei na possibilidade de não dar certo. Trouxe a experiência que tive em Carmem (Manchete, 1987) e criei uma empatia com o público antes de ela se assumir trans. Foi uma trama didática, não estava levantando bandeira, mas falando de sentimentos. Só essa chave muda tudo.

As críticas te afetam? 
Não podem, porque estou cutucando a imaginação do público - e eles vão imaginando as coisas mais loucas. O que me irrita é ficar falando sobre isso. As pessoas não repararam que o tempo da ficção é diferente. Mas no Twitter estão todos em busca de uma causa e também apontam um tipo de defeito que não apontariam em séries. Em novelas, querem encontrar o pelinho no ovo.

A novelista pensa em voltar a dar 
aulas, como na década de 1990
O Twitter é um bom termômetro durante a exibição do capítulo?
É engraçado, mas é um ambiente falso. Tem muita campanha, robô, hacker... Tem de estar atento para filtrar o que é verdadeiro e o que é falso. O melhor lugar para tirar medida é nas ruas.

E quando falaram que a história da Bibi fez apologia ao tráfico? 
Estranho é que estamos falando de uma pessoa real, que foi inocentada pela Justiça. Ela foi apenas uma mulher deslumbrada, apaixonada por um homem e fez besteira - não matou ninguém. A Bibi da novela fez muito mais. Passaram a agredir a pessoa real e isso é perigoso, quase que suscitar um linchamento, me incomoda. Gosto que a novela interfira na vida das pessoas de maneira positiva. E tem uma dose de machismo nisso. Ninguém exige do Sabiá (Jonathan Azevedo, 31) e do Rubinho (Emilio Dantas, 34) a punição que querem para Bibi (Juliana Paes, 38). E ela tem o ponto de identificação. Quem já não fez escolhas erradas na vida? Provoca uma catarse, é uma personagem muito interessante.

A atuação do Fiuk foi muito falada...
As pessoas têm um nível de cobrança grande com iniciantes, chegando, às vezes, à crueldade. Fiuk está tendo essa oportunidade, dedicou-se muito ao trabalho, a melhorar, e todo mundo sabia que ele era iniciante. O aprendizado dele está acontecendo em uma exposição muito grande. As pessoas não pensam em seus inícios, quando estavam frágeis, querendo corresponder. Ele está cercado de atores mais experientes. Sem querer, fazem uma comparação, o que é covardia. Se olhar para trás, quantos atores que se destacam hoje foram criticados no começo?

Em Explode Coração (1995) aconteceu isso com Ricardo Macchi...
Não foi uma escolha minha. Ele é uma pessoa bacana, não queria fazer, por não ter experiência - muito menos do que Fiuk. Prometeram aulas, mas foi jogado cru aos leões. E, mesmo assim, conseguiu se tornar inesquecível, um mérito também. Depois, ele trabalhou em outras novelas, mas lembram do Cigano Igor. Tem de dar tempo para a pessoa, um acolhimento. O linchamento é horrível, cruel. 

Como fica a sua rotina nesses meses?
Escrevo 30 páginas por dia. Seguido, dá umas 6, 7 horas. Ou escrevo dois blocos, passeio um pouco... Não é a mesma coisa, mas não preciso me enclausurar. Não posso perder contato com a energia da vida lá fora. É isso que faz a novela ficar vibrante. 

E quando a inspiração não vem? 
É muito melhor escrever um capítulo sem graça do que 60 páginas no dia seguinte (risos). É uma esteira rolante, ninguém pode parar.

Escrever sozinha é uma necessidade? 
Sim. Não é que não goste de opinião. É que acho muito difícil, admiro quem consegue discutir com 10 pessoas, conseguir um acerto, para depois escrever 30 páginas. Para mim, a ideia vem diante do papel em branco, a narrativa vai nascendo ali, como se fosse uma espectadora, vou sentindo, não planejo.

Ainda escreve em pé? 
Sim, por causa da coluna. É ótimo, experimente.

Incomoda-se quando os atores improvisam em cena?
Não. Pode colocar um ‘caco’, desde que não desminta a personagem. O que não pode ser é piada interna.

É autocrítica?
Não revejo os antigos trabalhos. Toda vez que se revisa, sempre vai ter um reparo. Não consigo escolher os melhores trabalhos, mais afetivos. Cada um corresponde à uma fase de sua vida, à um investimento emocional, é difícil. A Força do Querer foi um trabalho marcante, feliz, assim como outros que tive, mas não digo que foi o mais popular. Não temos mais a medida de quantas pessoas realmente veem novela. Quando comecei a escrever, o Ibope era feito por telefone.

E é noveleira?
Gosto, mas não posso ficar assistindo muito ou não faço outra coisa, porque prende muito. Assisto a programas de entrevista, musicais, documentários, séries policiais...  Não assisto com olhar crítico. Séries de vampiro e de médico não me empolgam. 

Ano que vem, você completa 35 anos de televisão. Ser uma ‘antena’ é uma de suas motivações a escrever? 
Sim. Sou uma pessoa curiosa, gosto de sentir a temperatura do meu tempo e de compartilhar. Você vai vivendo sem pensar. Quando precisa escrever, as coisas vêm, as pequenas sensações, observações, porque elas estão dentro de você.



Está mais difícil escrever atualmente?

A patrulha é insuportável. O que acontece é que ela tem um grande campo de expressão, todos estão com o microfone na mão. Se presto atenção, não escrevo nada, fica impossível. Ignoro solenemente.

Pensa em aposentaria?
Deus me livre! Na minha profissão não tem isso, trabalho com a cabeça. 

Agora vêm as merecidas férias?
Vou viajar para Portugal e aproveitar até março. Escrever, para mim, é um prazer. Que graça teria em só viajar e não contar nada para ninguém? Tem também a parte chata de ir ao médico, fazer exames, ver as coisas de casa e passear um pouco para oxigenar a cabeça.

É difícil se desligar depois ?
Você carrega para a vida toda, são como amigos que estão em outra cidade, em outro espaço... Desligo só da preocupação de escrever.