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'Está tudo raso, a vida se tornou descartável', diz Nathalia Timberg

Com mais de 60 anos de carreira, a atriz solta o verbo quando o assunto é a cultura atual, durante entrevista exclusiva

Por Tainá Goulart Publicado em 26/04/2018, às 10h00 - Atualizado em 07/08/2019, às 17h46

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Nathalia Timberg e suas opiniões afiadas - Fotos: Paulo Santos
Nathalia Timberg e suas opiniões afiadas - Fotos: Paulo Santos

Não se pode começar pelo fim. Quem quiser alcançar a simplicidade sem esforço, não chegará a lugar algum.” Este trecho da peça Chopin ou O Tormento do Ideal, que viaja para Recife, em abril, é um dos favoritos de sua protagonista, Nathalia Timberg, 88. E nada melhor do que a frase para ilustrar a carreira de mais de 60 anos da atriz, cujo último personagem na TV foi Beatriz, em O Outro Lado do Paraíso (TV Globo). “Hoje em dia, tem muita gente que quer começar pelo fim, pelo sucesso, e só faz bobagem. A experiência é o caminho da simplicidade, como diz a peça. Eu sempre gostei de fazer muitas coisas ao mesmo tempo e, para mim, é como se eu descansasse de um trabalho fazendo outro. Talvez, tenha relaxado da novela com a peça e penso que essa prática abre ainda mais os meus canais para a arte, me deixa renovada, é um alimento para corpo e alma”, diz ela, que atua ao lado da pianista Clara Sverner, 81, no espetáculo. Nathalia brinca ter passado como um cometa pela novela das nove. “Foi tão rápido, mas tão intenso. Essa trama está muito bem defendida pelos atores cheios de quilometragem (risos). Nós agradecemos muito por essas oportunidades. Quando existe um elenco misto de gerações, o trabalho é enriquecedor para todos os lados”, reflete a atriz, que não foge de nenhum assunto.


A atriz, no Teatro Porto Seguro, em São Paulo

A veterana faz questão de opinar sobre vários assuntos, especialmente a direção que a cultura brasileira tem tomado. “Tem muita coisa que me chateia por aí, principalmente o fato de terem dessacralizado o espaço teatral. O público vem para receber, da mesma maneira que nós, atores. Não é pra pegar o celular de cinco em cinco minutos, é para desligar e prestar atenção no que acontece no palco. É um pacto que se faz, da gente mentir e o público acreditar na mentira.” Confira os principais trechos da entrevista à CONTIGO!: 


 De outro planeta “Às vezes, eu me sinto um ET por gostar de coisas antigas, que ninguém parece gostar mais. Fiz o espetáculo do Chopin com a cara e a coragem. Uma vez, o Alberto D’Aversa (diretor de teatro, morto em 1969) me disse: ‘Quando você atua sobre a sensibilidade, a inteligência de um povo, você faz mais do que qualquer panfleto’, e isso se tornou um lema para a minha vida.”

Calmaria em tempos difíceis “Acho muito certo fazer Chopin ou O Tormento do Ideal em um momento em que a população está vivendo um período tão duro. E quando se encontram diante deste texto magnífico, as pessoas se abrem e dão chance aos novos momentos.”

Destruição da cultura “Transformaram o ser humano em louça sanitária. As pessoas estão sem condições de se expressar, pois estão aceitando esta destruição dos sentimentos, da cultura. A relação dos seres entre si está se deteriorando.”

Jovens rasos “A geração de hoje confunde muito as palavras e faz com que elas percam seu real significado. Então, é difícil até trabalhar, pois eles estão perdendo contato com a leitura, a linguagem no celular se resume a poucas abreviações. Há um empobrecimento muito grave da língua, estamos falando no genérico. E os poderes públicos estão tirando proveito da falta de conhecimento. Não há para que estimular o pensamento. Faltam as ferramentas para se expressar, está tudo raso, até os sentimentos. A vida se tornou descartável. ”

Amor pelo teatro “Uma vez, me perguntaram se eu sabia o que era fazer teatro. Eu disse sim, com convicção. E a pessoa perguntou se ainda assim eu queria fazer teatro e eu continuei com o meu sim. ‘Então, que Deus te proteja e abençoe’ foi a fala final. De vez em quando, me questiono se sei mesmo fazer o que amo.”

Sem confrontos “A evolução depende das mulheres, mas não podemos deixar de reconhecer os feitos conquistados. Porém, não gosto quando esta tomada de consciência feminina vira motivo de confrontos. São seres que se completam, dotados da mesma capacidade. Nós só teremos alcançado uma posição digna quando tivermos perdido a necessidade de confrontar os sexos.”

Origem certa “Desde criança, eu sempre fui independente. Bati o pé para estudar teatro na França e era um absurdo. Às vezes, meu pai vinha conversar comigo por chegar tarde das aulas do Teatro Universitário e eu só falava que ele deveria saber a educação que me deu, de onde eu vinha. Então, se as pessoas que falam de mim sabem quem eu sou, ele não tinha que se preocupar.”

Transgressora de coração “Naquela época, quando era jovem, eu era a transgressora por fazer teatro, chegar em casa de noite. Hoje, as pessoas me acham comportada. Tudo depende da ótica que você tem, né?”